Ao mergulhar abaixo das núvens, e já possível ver as terras sicilianas, numa manhã nublada de janeiro, os passageiros do avião já mostravam todo encantamento provocado pela visão do maior, literalmente, cartão postal da ilha italiana. Ao fundo, imponente, com seu cume coberto de neve, o Etna, mesmo de longe, provocara um rebuliço dentro da aeronave. Muitos queriam ir ao lado direito para fotografarem e filmarem o imenso vulcão. Nem mesmo a forte turbulência distraiu a fascinação que a montanha despertou. Foi, assim, neste clima de excitação e muito balanço que o avião pousou.
Passada a rotina de qualquer aeroporto, começa, ali, para muitos, a aventura de desbravar, em terra firme, as milhares de opções turísticas da ilha. Catânia é o ponto de chegada mais próximo do Etna e, também, o de partida para viagens a diversos sítios culturais milenares, entre eles, Siracusa e Taormina.
Do aeroporto ao centro da cidade, leva-se uns 15 minutos de ônibus, a maneira mais barata de fazer o primeiro contato com o local. Com construções belíssimas, a capital siciliana preserva sua riquíssima história, sempre com os olhos voltados ao Etna. A simbiose entre urbe e montanha é total. De ponto de referencia geográfica até suas ruas de grandes paralelepípedos feitos de lava vulcânica.

Catânia é, atualmente, uma cidade moderna, com um patrimônio arquitetônico invejável. Igrejas, palácios, banhos termais, teatros gregos, parques e seu casario dão o tom do espetáculo ao céu aberto. Fundada por gregos cerca de 740 antes de Cristo, passou por diversas transformações ao longo de sua existência. Invadida e ocupada por romanos, árabes, visigodos, ostrogodos, entre outros povos que a dominaram, teve também as forças da natureza a influenciar seu destino. Terremotos e erupções vulcânicas moldaram a geografia local, destruindo e expandindo seus limites. O que se conhece hoje, com sua elegância barroca, é o renascimento de uma cidade destruída pelas lavas do Etna, em 1669, e por um seguinte devastador terremoto em 1693.
Com a mesma lava que escorreu das montanhas, novas casas foram erguidas e ruas foram sendo feitas. Nos bairros centrais da cidade é possível ver, ainda hoje, construções sobre enormes pedras, além de suas características vias calçadas de paralelepípedos de lava.
Embora seja a sétima maior área metropolitana da Itália, com aproximadamente 700 mil habitantes, Catânia tem um centro histórico pequeno, facilmente percorrido a pé. É necessário, porém, tempo. Há tanto a ser visto e apreciado que um simples passeio leva horas a fio. Suas construções greco-romanas e igrejas barrocas são destaque entre os muitos sítios históricos e, por isso, as atrações mais visitadas.

O Teatro greco-romano (acima), na via Vittorio Emanuele II, é, sem dúvida, a pérola arquitetônica da cidade. Destruído pelo terremoto de 1693, foi desaparecendo do mapa aos poucos. Parte de sua estrutura foi utilizada em novas construções e muito ficou soterrado por séculos. A cidade cresceu sobre seus escombros e muitas casas cobriram suas antigas glórias. Somente a partir de 1950, começou a ser recuperado por arqueologistas. Atualmente, é aberto ao público, e um passeio por suas galerias e arquibancada é imprescindível. Há um pequeno museu acoplado às ruínas, onde se pode ver um pouco do que restou da antiga construção e de como ela foi ressurgindo ao longo das décadas. Ao lado, está o Odeon, uma estrutura menor, semelhante ao grande teatro, onde eram apresentados concertos musicais e de danças, com uma estrutura coberta, em sua época áurea.
Ainda no que foi a antiga acrópoles de Catânia, está o que restou da Terme della Rottonda, um banho termal construído no século 2 de nossa era, com sua imponente redoma. Posteriormente, no período bizantino, foi transformado em igreja e, hoje, após sofrer com bombardeios durante a 2 Guerra Mundial, é mais uma ruína que embeleza o centro histórico da cidade.
Outra construção da antiguidade é o Anfiteatro Romano. Através dos tempos, a cidade foi sendo erguida sobre diferentes camadas e, por isso, o que restou está bem abaixo do nível das ruas que o limitam, na praça Stesicoro . Com entrada gratuita, é uma visita que não pode faltar.
Em melhor estado que as construções da antiguidade, as igrejas barrocas da cidade são um espetáculo à parte. São dezenas delas, uma mais imponente que a outra, com seus detalhes deslumbrantes em suas fachadas e interiores. Entre as mais impressionantes, estão a Igreja San Nicolo l’Arena, parte do monastério de mesmo nome, e a Igreja de Santa Ágata, padroeira da cidade.

Na igreja do antigo mosteiro beneditino, a surpresa começa pela fachada. Alta e com oito colunas inacabadas, foi iniciada após o terremoto, e sofreu influência de vários estilos arquitetônicos e também da disputa entre os monges e a empresa que fornecia material para a construção, razão pela qual nunca foi terminada. Seu interior é ainda mais imponente: são 105 metros de cumprimento, 48 de largura, com seu transepto tendo 78, além de paredes muito altas e 66 metros de altura na cúpula. Toda pintada em branco, apresenta belíssimos mosaicos no chão e detalhados altares espalhados por seus corredores. Um daqueles lugares em que se entra e se sente pequeno, muito pequeno, diante do gigantismo de sua estrutura.
Ao lado da imponente igreja, está o mosteiro em si, também um colosso arquitetônico, considerado o segundo maior da Europa. Não serve mais à fé, mas à ciência, já que é, atualmente, a sede da Faculdade de Letras, Filosofia, Língua e Literatura Estrangeiras da Universidade de Catânia. Sua entrada principal, toda em mármore, contrasta com a simplicidade de seus diversos e longos corredores. No local, há uma loja de suvenir, onde também se pode reservar visitas guiadas adquirir os mais variados tipos de lembranças e mapas.
Já na área mais central da cidade, na praça do Domo, a Catedral de Santa Ágata (abaixo) é a que a mais atrai atenção. Não apenas pela beleza de sua fachada de granito, que apresenta tons azulados, dependendo da iluminação exterior, mas também pela simplicidade de seu interior e por todas as histórias que a envolvem. Construída sobre um antigo banho termal romano, logo após a retomada da cidade dos ocupantes árabes, foi destruída por vários terremotos e tem sua versão atual construída em 1711. Traz consigo uma série de simbologias e atrai milhares de romeiros ao local, ávidos a visitarem os restos mortais da santa, localizados na tumba na catedral.

A própria história da mártir católica se entrelaça com os desastres naturais que assolaram a região durante séculos. Após torturas, foi num dos terremotos que ela morreu. Uma outra lenda diz que, em 252 DC, um ano após sua morte, o Etna entrou em erupção e, para se protegerem da lava que descia em direção à cidade, devotos colocaram o véu de Ágata em uma lança e subiram a montanha, o que estancou o fluxo da lava. O ato é lembrado até hoje e seus seguidores colocam mantos nas janelas durante a celebração da data da padroeira, 5 de fevereiro.
Outra história que conecta a santa católica ao dia a dia da cidade é a de que, após ser perseguida pelo cônsul romano Quinciano, que a cortejava incessantemente e sem sucesso, foi colocada na prisão e teve seus seios amputados. Nasceu desta história um dos doces mais conhecidos da cidade, o seio de Santa Agata.
Na praça do Domo, também estão importantes monumentos, como as fontes do Elefante, símbolo da cidade, e a de Amemano. É um dos locais mais movimentados de Catânia, com cafés, lojas, restaurantes e hotéis, e por ser o grudada à praça da Universidade, a ligação entre a via Etna , o jardim, Pacini, o ponto do ônibus para Siracusa e o porto. Nas proximidades do pequeno parque, está o famoso mercado de peixes da cidade e diversos restaurantes especializados em frutos do mar.

Na movimentada via Etna (acima), estão dezenas de cafés, igrejas e lojas. Ao sair da praça Universidade, o passeio pela rua calçada com lava vulcânica, e com o Etna ao fundo, é muito agradável. Além de se poder apreciar a vista da montanha, as belezas da culinária siciliana e o que o comércio local tem a oferecer, além de se poder observar a arquitetura local, Patrimônio da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Deste lado da rua, seguindo em direção ao vulcão, está o jardim Bellini, o maior parque da área central da cidade. Uma área grande, bastante arborizada, com diversos caminhos, ladeiras calçadas com pé-de-moleque (abaixo), bem ao estilo romano, áreas de lazer, e um dos orgulhos locais, o relógio de flores. Todos os dias, a data do relógio é trocada e, como o nome anuncia, são flores plantadas com a indicação do dia, mês e ano. No alto do jardim, localiza-se o coreto, de onde se tem uma vista panorâmica de Catânia e, claro, do vulcão.
Declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 2013, a grande atração da ilha não é lá muito amigável para quando se viaja no inverno. Embora as temperaturas nesta parte da Sicília sejam bastante superiores que em muitos lugares da Europa continental, ainda é inverno em janeiro. Como o vulcão é alto, com 3.35o metros de altitude, a temperatura lá em cima chega a ser bem menor do que ao nível do mar. Isso acaba afugentando muitos visitantes, que preferem descobrir os encantos das cidades sicilianas e deixar o vulcão para épocas mais quentes.
Se o grande motivo da viagem for chegar ao topo da montanha, porém, há diversas empresas que fazem os traslados e os passeios guiados. Deve ser sempre lembrado, no entanto, que mesmo no inverno quanto nas outras estações, é preciso levar roupas para baixas temperaturas, sapatos adequados para caminhar no solo vulcânico e ter bastante disposição para caminhas em altitudes elevadas.
Passear pelas ruas de Catânia é uma experiência enriquecedora. Diversas atrações estão espalhadas pelo centro histórico. Muitas estátuas, entre elas, algumas sem cabeça, chamam bastante atenção. A cada rua ou viela, uma surpresa. Lojas interessantes, restaurantes acolhedores e sorveterias que fazem dar vontade de tomar um gelato italiano mesmo a 10 graus centígrados.

Dentre os os diversos museus locais, o grande destaque é o Museu Cívico, no Castelo Ursino. Ali, há muitos séculos, era o limite entre terra e mar. Com as sucessivas erupções vulcânicas e terremotos, a lava invadiu o Mediterrâneo e deixou o castelo cercado por terra e, consequentemente, construções foram surgindo ao seu redor. Dentro do antigo forte, um museu simples, mas que conta a história local e suas diversas facetas seculares. A entrada é gratuita, apenas sendo cobrada para exibições especiais. De qualquer forma, a visão do castelo, a percepção de que ali terminava a cidade num passado nem tão longínquo, faz dessa massiva obra da engenharia antiga ainda mais especial.
O caminho entre o jardim Pacini e a estação de trem, seguindo à praça Europa, parcialmente à beira mar, é uma opção para se apreciar o azul do mar Jônico. É uma longo percurso, com um tráfego quase barulhento, mas repleto de praças e fontes que também merecem atenção. A estação rodoviária da cidade está bem próxima à ferroviária. Embora não seja nenhum atrativo turístico, é de lá que saem os ônibus, a melhor opção para ir a Taormina, uma das mais interessantes cidades da região.
Já na praça Europa, a paisagem muda. É uma área mais moderna, com um calçadão e uma pequena vila de pescadores bastante simpática e, claro, alguns restaurantes bastante sofisticados.
Fica perto desta praça um dos maiores e mais visitados cafés da cidade, o Café Europa, com suas centenas de doces, disputadas mesas e muita gente barulhenta.
Noite
A vida em Catânia não se resume à movimentação diurna, sendo, também, uma vívida cidade de noite. Como há uma grande universidade por lá, bares, restaurantes estão sempre lotados. Muitos deles abrem somente no período noturno, transformando ruas pacatas e desertas durante o dia em verdadeiros formigueiros humanos à noite.
O centro nervoso da badalação local está entre a via Vittorio Emanuele II e as praças Universidade, do Domo e Vicenzo Bellini e a via Antonino di Sangiuliano. Nas pequenas vielas renasce uma outra cidade, lotada, barulhenta e muito animada. Nas proximidades, está também o San Bermino, um dos mais interessantes bairros da cidade, a boca do lixo local. Construções em ruínas, com plantas nascendo nas sacadas e fachadas, muito grafite espalhado por almas delas, dão a impressão de um local abandonado. Mas uma música que sai de uma porta aqui, um barulho ali, aos poucos, vão denunciado a presença de pessoas.

Se o bairro é um tanto deserto durante o dia, à noite há bastante movimento de prostitutas e seus clientes, além de traficantes de drogas e outras pessoas que vivem no local. Suas ruas estreitas, fechadas para automóveis, sombrias, com um forte odor de urina em muitas partes, tornam um passeio noturno pouco convidativo para uns, e um deleite para outros.
Com tantas atrações, sejam arquitetônicas, históricas, geográficas, culinárias e humanas, Catânia é um daqueles lugares que sempre deixa um gosto de quero mais a seus visitantes.
Apetite
A culinária é uma importante parte da cultura local. Além dos seios de santa ágata, outro doce típico da região é o cannolli, ou, simplesmente, canudo. De origem árabe, dos tempos em que a ilha esteve sob seu domínio, tornou-se um dos símbolos sicilianos. Há, também, uma infinidade de guloseimas locais, caprichosamente expostas nos cafés da cidade e de dar água na boca. Dentre as centenas de bares e cafés de Catânia, há os mais centrais, ótimos para aquele descanso entre um sítio histórico e outro, principalmente na praças centrais, Piazza Università e Piazza del Duomo, e na via Etna e suas adjacências.
Outra iguaria tipicamente siciliana é o arancino. Um bolinho de arroz, recheado com os mais diversos sabores e frito. Parece uma coxinha super desenvolvida e tão gostoso quanto. É a comida mais popular encontrada em praticamente todos os lugares que servem alimentos na região.
As mais diversas massas, peixes e frutos do mar, uma imensa diversidade de doces e tortas, além de sorvetes e picolés, são a aposta dos restaurantes, doceiras e cafés da cidade para pegar o turista pelo estômago.
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