Os holofotes da indústria hoteleira estão novamente voltados para Cuba, que já foi um dos principais destinos no Caribe. Desde que mudanças foram introduzidas na ilha para permitir que seus cidadãos possam operar pequenos negócios privados, há cerca de 20 anos, e com o restabelecimento de relações diplomáticas com os Estados Unidos, em 2015, o setor apresenta crescimento e está transformando o estilo de vida da capital caribenha. Novas redes hoteleiras estão investindo no país, além de um grande número de pequenos empreendimentos privados espalhados por todos os cantos.

Com a permissão governamental da criação de Casas Particulares, em que cubanos podem alugar quartos, ou até mesmo casas e apartamentos inteiros, e a abertura de Paladares, restaurantes privados, além de outros negócios, o turismo na ilha mudou de perfil. Antes, era focado em visitantes que se hospedavam em hotéis de luxo, principalmente nos locais mais procurados, como Havana e Varadero, segredados do povo cubano, proibido de se hospedar nestes hotéis. Após sucessivas alterações na legislação do país, a ilha foi se abrindo, e os cubanos já não são banidos destes locais, mas muitos ainda não podem ser hóspedes, devido aos altos preços cobrados por estes estabelecimentos.
Há, atualmente, uma visível explosão de pequenas empresas na ilha. Nas ruas de La Habana Vieja, Centro, Vedado e Miramar, os bairros mais procurados por turistas estrangeiros, pode-se notar a grande quantidade de Paladares e Casas Particulares, cada qual com seu nicho de mercado, dos mais simples e baratos aos mais luxuosos e caros. Nas áreas mais pobres (La Habana Vieja e Centro), percebe-se que, na grande maioria dos casos, os edifícios restaurados abrigam estes negócios, enquanto os que despencam sobre as cabeças de seus moradores são apenas residenciais. Locais muito simples se misturam com ambientes mais sofisticados e elegantes, causando um grande contraste para quem caminha pela cidade. É claro que, nos primeiros, serão vistos, basicamente, cubanos, enquanto nos outros, a maioria é turista.

A retomada do crescimento no turismo, embora tenha melhorado a vida de muita gente, tem criado alguns problemas. Como é a parte mais rica do país, Havana vem atraindo pessoas do interior, ávidas por encontrarem algum emprego no setor que lhes pague mais do que os governamentais. Acabam sendo alojadas em apartamentos de edifícios em péssimo estado de conservação na área central. Depois, muitas têm de ser removidas destes locais por causa do risco de desabamentos, segundo me disse Mercedez*, uma simpática garota que, atualmente, sustenta-se servindo cafés da manhã em Casas Particulares. Como tem uma filha pequena e deseja ter mais tempo para cuidá-la, a psicóloga optou por este trabalho, que não lhe requer muitas horas durante o dia.
O mesmo se passa com José*, formado em economia, mas que, atualmente, ganha a vida fazendo traslados pela cidade. “Cuba é um dos países com a melhor educação da América, mas o que podemos fazer com isso se não há empregos descentes para todos?”, questiona. “É claro que muita gente se volta ao mercado informal, que tem muito mais a oferecer e os rendimentos são bem maiores”, conclui, me chamando para entrar dentro do apartamento onde me hospedei. “É melhor não falar isso assim, na rua, alguém pode ouvir”, disse, preocupado.
Muitas pessoas em Havana repetem o mesmo, que o país só funciona no mercado negro, pois assim conseguem melhor renda. “Quase tudo em Havana é feito no paralelo”, me disse Maria*, uma garçonete de um bar popular de La Habana Vieja. “Onde tem a mão do governo, não dá certo.” Mesmo trabalhando para um estabelecimento estatal, Maria não se preocupa em falar isso em alto e bom tom. Termina a conversa dizendo que, como algumas pessoas querem melhorar a qualidade de vida, não se preocupam em exercer atividades informais.

Esta afirmação é facilmente comprovada, principalmente quando se trata de acesso à internet. A Empresa de Telecomunicações de Cuba (ETECSA) anuncia, em seu site, o cartão a CUC 1,50 para uma hora de acesso, mas é praticamente impossível encontrá-lo por esse preço, até mesmo nas próprias lojas da companhia, onde sempre há enormes filas para se adquirí-lo, o que desestimula muita gente. Em alguns hotéis, nas ruas e pontos de revenda autorizados, porém, nunca saem por menos de CUC 2,00, com sorte. Numa mesma revenda, por exemplo, pode-se comprar o cartão por CUC 2,50 num dia e CUC 3,00 no outro, dependendo do atendente. No hotel Iberostar Parque Central, chega a custar até CUC 4,50, comercializados por funcionários que vendem mais caro para quem não está informado sobre o real preço. Tudo vai depender da sorte e da capacidade de negociação com quem oferece o cartão.
Uma alternativa que os moradores da cidade encontraram para o driblar alto custo é ainda mais criativa. Em muitos pontos de acesso espalhados pela cidade, há sempre alguém vendendo conexão ilimitada. Paga-se menos que o cartão da ETECSA e é possível navegar por um longo período. Em uma esquina na avenida Malecón, por exemplo, o acesso custa CUC 1,00 e é possível ficar conectado por longas horas. Claro que, no outro dia, a senha é modificada e começa-se tudo novamente. O contato é feito discretamente e sem muita demora. Basta parar, olhar para os lados, ou perguntar, que sempre terá alguém disposto a negociar a conexão.
Num hotel quatro estrelas de Varadero, dois seguranças abordavam os hóspedes oferecendo-lhes charutos no mercado negro, mais baratos que nas lojas governamentais e cooperativas, por não pagarem impostos. Ao serem questionados por mim que taxas e impostos são necessários e bons, porque vão para o Estado e, assim, arrecada-se mais e aumenta a capacidade governamental de distribuir a renda ao povo, riram. “De onde você é?”, perguntou um deles. “Você está mal informado, nada vai para o povo, tudo fica com os grandões e os pequenos não veem nada.” Justificavam, assim, o fato de estarem praticando uma atividade ilegal.
Esta percepção de que o governo é corrupto e de que, por isso, não há problemas de as pessoas também praticarem corrupção não é apenas restrito aos que têm pouco dinheiro. Rafael*, filho de uma empresária do ramo de hospedagem, sentado na cadeira de balanço no salão do palácio colonial em que vivem, com espaçosos cômodos, mobília antiga e amplo quintal, numa das mais opulentas avenidas de Havana, também reclama da corrupção governamental. Anteriormente, porém, sua mãe havia explicado que, embora ela possua quatro imóveis na cidade, apenas um é registrado em seu nome, já que não é permitido possuir mais do que uma propriedade. Rafael, que nasceu na Alemanha e estudou em Oxford, na Inglaterra, resolveu voltar a Cuba e, recentemente, conseguiu sua nacionalidade. Segundo ele, mesmo com a corrupção e com as limitações pelas quais o país passa, como a lenta e cara wi-fi e a pouca variedade de produtos industrializados nos supermercados, ainda é mais vantajoso, agora, viver em Havana. “Tenho uma qualidade de vida muito melhor que se estivesse morando em Londres”, explicou.
Outro efeito colateral deste crescimento é a gentrificação dos bairros centrais. Centenas de imóveis estão à venda. Segundo José, as pessoas vendem suas casas por preços altos e se mudam para os subúrbios e, com o dinheiro da negociação, passam a ter uma melhor qualidade de vida, embora mais longe da cidade. Outras são expulsas de suas antigas casas, revelou Maria, já que estão desabando e não contam mais com suporte governamental para mantê-las em condições habitáveis. Após todos serem removidos, os imóveis estão sendo negociados com investidores para a instalação de hotéis.
Embora saibam de suas próprias deficiências, os cubanos ainda têm esperanças de que tudo melhore no futuro. Maria, integrante da cooperativa que administra o bar onde trabalha, faz planos para embelezar o lugar e, assim, atrair mais consumidores. José sonha com uma abertura que lhe propicie um emprego formal e bem pago, mesmo que, segundo ele, o país tenha de se tornar capitalista. Mercedez deseja mudanças, mas que não signifiquem um retrocesso nas conquistas em educação e saúde e que não coloque ilha-nação na mesma posição subalterna aos EUA em que viviam antes da Revolução Cubana. Rafael e sua mãe desejam uma total abertura, em que possam expandir seus negócios e que diminua a corrupção. São anseios e ressalvas que pairam sobre a cabeça destas pessoas. Não perdem, contudo, a alegria e o bom-humor, características marcantes do povo cubano, e, como os brasileiros, fazem piadas de suas próprias desgraças.

Assim, vão encontrando maneiras para melhorar suas condições de vida, afetadas por uma economia baseada em exportações de commmodities, principalmente o açúcar e o tabaco, muito vulneráveis às oscilações internacionais, ao bloqueio econômico imposto pelos EUA há décadas, e por um governo que não consegue atender a todas as demandas, acusado de corrupto e ineficiente por alguns. Um futuro incerto, em que ninguém sabe exatamente o que irá acontecer. Enquanto isso, oferecem aos visitantes o melhor que podem e cativam os que conhecem suas histórias.
*Os nomes foram trocados.